Expressar a fé através da dança

A dança sempre esteve inerente na história da humanidade como meio de exprimir através do corpo dos sentimentos da alma. Era praticada desde as primeiras civilizações e surgia como fruto da expressão da relação do ser humano com a natureza, com a divindade, consigo próprio, com o outro e com a sociedade. Ao longo do tempo e da história foi adquirindo características peculiares de cada povo, sendo também sistematizada em várias formas e estilos. O corpo do ser humano sempre foi canal de externalização de sentimentos, sendo que os gestos sempre podem espelhar os sentimentos da alma!

Dentro da fé o corpo também se manifesta saltando para os gestos corporais aquilo que se sente, se ora, se interioriza pela graça da relação com Deus! Atitudes como ajoelhar-se, prostra-se, fechar os olhos, trazer as mãos ao peito, elevar o olhar em suplica, estender os braços em atitude de receber, de abrir-se, etc, são formas de atitudes comuns dos fieis nos ritos e orações a Deus. A dança nesse contexto oracional expressa também muitos destes sentimentos. Mas como é vista dentro dessa sacralidade?

A palavra dança é encontrada 28 vezes nos textos bíblicos, muitas vezes como forma de louvor a Deus (ex. 2Sm 6,14; Sl 150) ou até com caráter inadequado, como por exemplo, a famosa dança de Salomé para a sedução e decapitação de João Batista (Mt 14:6; Mc 6:22). Como a dança ao longo dos tempos sempre teve essa dualidade entre beleza e simplicidade da expressão da alma, mas também muitas vezes um caráter profano ou ligado a sensualidade, associada a algo que conduzisse ao pecado, ou estritamente ligada à concupiscência da carne, sempre sofreu e sofre preconceito pelo tipo de sensação que causa a quem vê de acordo com o posicionamento pessoal que este indivíduo se encontra.

A dança vem sendo expressa dentro da Igreja Católica a algum tempo, sendo que ao longo da história já existissem relatos da sua utilização dentro das celebrações e acredita-se que hoje em dia, mais intensamente com o movimento da RCC.

A dança em si não é mencionada na maioria dos documentos da Igreja, apenas o uso da arte como expressão da sacralidade aparece nos principais documentos. Porém, encontramos as orientações do Conselho Episcopal Latino-americano e do Caribe (2013) em que os bispos, juntamente com especialistas na área da Missão e Liturgia do Departamento e Espiritualidade do CELAM, presentes na reunião, à luz do Magistério da Igreja assinalam dez critérios a serem considerados para a acolhida da “dança litúrgica”não com finalidade legislativa, mas pretendendo ser uma ajuda aos Bispos no ato da aceitação ou não desse elemento típico.

Estes critérios enfatizam, em resumo, que deve-se ter prudência para incorporar os elementos no culto divino para não incorrer em erros, havendo harmonia com o espírito litúrgico; deve ser feita em momento apropriado em sintonia com o tempo litúrgico e a ação ritual e não como um mero espetáculo; os envolvidos devem estar munidos de uma espiritualidade litúrgica, bem como com vestes adequadas; deve-se estar em concordância e aprovação do bispo da diocese.

Cita ainda que a constituição litúrgica Sacrosanctum Concilium afirma que “A Igreja aprova e admite no culto todas as formas de arte autêntica que estejam dotadas das devidas qualidades” (SC 112).

Na instrução sobre Liturgia e Inculturação, Varietates legitimae (1994), da Congregação para o Culto e a Disciplina dos Sacramentos, afirma: “Entre alguns povos, o canto é instintivamente acompanhado por palmas, balançados rítmicos ou movimentos de dança, por parte dos participantes. Tais formas de expressão corporal podem ter lugar nas ações litúrgicas desses povos, com a condição de que sejam sempre a expressão de uma verdadeira oração comunitária de adoração, de louvor, de oferenda e de súplica, e não um simples espetáculo” (VL 42). Afirma ainda que “a diversidade de alguns elementos das celebrações litúrgicas é fonte de enriquecimento, desde que respeite sempre a unidade substancial do Rito romano, a unidade de toda a Igreja e a integridade da fé que foi transmitida aos santos de todos os tempos” (VL 70).

Desse modo, concluímos que havendo primeiramente a aprovação eclesial e com bom senso, conhecimento, espiritualidade, vida de oração, piedade e simplicidade por parte do artista criador e dos executores, a dança pode contribuir para o enriquecimento da espiritualidade dos fiéis e dos próprios participantes como uma forma de oração de corpo e alma, tendo a plena consciência de que o principal foco é em Cristo e não em quem dança.

 

Sheila Assunção Reis

Professora Academia Bauer Ballet. Leiga atuante com dança na igreja desde 1999 com as devidas aprovações eclesiais.