Saudade: um sentimento inventado?

Esta palavra comum, presente no dia-a-dia, chamada de saudade, só existe por causa das perdas que tivemos. E as perdas mais insuportáveis que tivemos foram aquelas que não poderão ser jamais substituídas, e sim, somente poderão ser aceitas. É o que acontece com as pessoas que amamos e faleceram. Quantos gostariam de ter a oportunidade de dizer algo que não foi dito em vida. São perdas que só resta aceita-las.

Segundo o escritor e poeta Rubem Alves a saudade se traduz como um sentimento coletivo em todos nós: Que “na saudade descobrimos que pedaços de nós já ficaram para trás. E descobrimos, na saudade, uma coisa estranha: desejamos encontrar, no futuro, aquilo que já experimentamos como alegria, no passado” (Rubem Alves).

Posso afirmar que “saudade” é um sentimento que inventamos, para continuar amando as pessoas que passaram por nós, e que fazemos questão de manter presente em nosso pensamento e até cultuamos, seus gestos, falas, atitudes e fé, para conservar a influência profunda deles em nós. Por que isso acontece? Por que, ouvir a noticia do falecimento de uma pessoa que amamos profundamente, cria em nós um mecanismo de defesa chamado negação: “não, não, não, isso não pode ter acontecido”.

Muitos já ouviram ou disseram essas palavras, ou internamente dizemos a nós mesmo. Negamos aqui, a realidade da perda, numa tentativa quase que louca de afastar a dor, por ser uma dor profunda que o enlutado passa, negando para si que isto jamais aconteceu. Numa esperança viva de afastar a dor.

Para algumas pessoas, as perdas jamais serão reparadas. Por instalarem em si mesma aquela sensação de desamparo e tristeza, por ter sido deixada “sozinha”, gerando raiva ou mágoa, não com a pessoa amada falecida, mas com outros. Mas, sentir magoado por estar vivendo este momento delicado da perda, é apenas a prova de que todos nós somos vulneráveis, é algo extremamente humano, por sentir aquilo que sem permissão nos foi roubado (tirado).

“A mágoa é a reafirmação da capacidade do humano de formar vínculos, e de se tornar emocionalmente revestido do mundo e de achar sentido nisso. A pessoa que vive imune à mágoa vive imune à alegria. Não há maneira de evitar a dor se se quiser ficar aberto ao prazer” (David Viscott).

“Por que a morte, como a vida, não é problema para quem parte, mas sim para quem fica”, escreveu Evaldo da A. D’Assumpção em seu livro “Sobre o viver e o morrer”. Concluindo, a saudades foi uma forma que encontramos para elaborar melhor as perdas de quem nos marcou profundamente na vida. Logo, “só podemos amar (sentir saudade) o que um dia já tivemos” (Rubem Alves).

Fonte:
– VISCOTT, David Steven. A Linguagem dos Sentimentos / David Viscott [tradução de Luís Roberto S.S. Malta] – São Paulo: Summus, 1982.
– D’ASSUMPÇÃO, Evaldo A. Sobre o Viver e o Morrer: manual de Tanatologia e Biotanatologia, para os que partem e os que ficam. 2ª edição ampliada – Petrópolis: Vozes, 2011.