É necessário tocar a cruz de Jesus

É impossível olhar para o Bom Jesus, com seu amor misericordioso, sereno e não sentir que ele persuade o nosso coração com a sua verdade! É impossível se aproximar do Bom Jesus Crucificado e não sentir, na pele, no coração, no espírito a força que Ele e sua Cruz têm em atrair-nos até Ele. Ele nos atrai diariamente! Ele nos atrai constantemente para próximo dele! Ele invade nosso ser e nos atrai para o seu amor! Promessa realizada e cumprida do Bom Jesus: “Quando eu for levantado da terra, atrairei todos até mim” (Jo 12,32).

A imagem do Bom Jesus crucificado é a expressão máxima, visível, tangível, compreensível do amor incondicional de Deus: é o máximo que a arte humana conseguiu atingir para expressar tal realidade. Por isso ela nos atrai! A atração é um movimento que brota de um sentimento de desejo; de vida; de vontade. A atração é uma contração, ou seja, faz com que sejamos puxados, contraídos, assumidos por algo que é mais forte que nós! A Cruz de Cristo nos atrai até ela; nos puxa; nos prende na liberdade de seu amor! Por isso nos sentimos atraídos.

Nas lutas diárias; nas vitórias e derrotas de nosso dia-a-dia, nos colocamos sempre a caminho, como o povo de Deus, que no deserto vencia e era derrotado. No deserto da vida, nos momentos de desespero, de fracasso, de desorientação, nos dirigimos a este lugar sagrado para nele dar o nosso último e fatal grito de socorro! Seja para pedir uma bênção; seja para alimentar a alma pela oração; seja para ter um instante de paz diante dos arroubos da vida; seja para encontrar um olhar acolhedor: para cá nos dirigimos. Existe uma força, que mesmo diante de nossa descrença, nos atrai até aqui.

Alguns, diante da correria do dia-a-dia, simplesmente param nos portões do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. Uns se benzem de dentro de seus carros, de cima de suas motos, num rápido momento de oração consagram sua vida ao Bom Jesus. Outros, mesmo que encontrando as portas ou portões fechados se ajoelham, se benzem, rezam. Todos atraídos pelo Bom Jesus!

Quando irrompemos os umbrais deste Santuário, por aquela Porta Santa de Misericórdia, nós somos automaticamente conduzidos aos pés da Cruz de Jesus. Em um movimento quase que involuntário demonstramos a nossa fé e o nosso carinho para com o Bom Jesus. Somos por ele atraídos! Temos diante de nossos olhos a representação da Cruz, o “ápice luminoso do amor de Deus que nos guarda”.

Quantas orações as paredes deste Santuário já ouviram em dias tranquilos, sem movimento algum! Quantos prantos foram derramados aos pés dessa Cruz na certeza de que o Bom Jesus não desampararia tal súplica?! Quantas lágrimas verteram de corações tocados pelo sofrimento e pela dor! Muitos subiram aquelas escadas e a cada degrau galgado, vencido, o seu coração se revestiu de uma esperança nova!

Por fim, o último gesto do devoto, do romeiro, do desesperado! Vencida a escadaria, levanta os olhos às alturas do Crucificado, toca-lhes com as mãos a cruz e os pés e beija-lhes os pés traspassados! Ouve-se, de novo, o mesmo dito de Jesus:” É necessário que o Filho do Homem seja levantado… para que não morra o que nele crer, mas tenha a vida eterna” (cf. Jo 3, 14b.16). Quem o ouve? Quem, no momento certo, está aos pés da Cruz de Jesus! Quem morre aos pés do Bom Jesus? Não o fiel, o devoto, mas sim o mal e a angústia!

Ao longo de nossa Novena cantamos um refrão até então pouco conhecido, inspirado nos dizeres do Papa Francisco na JMJ no Rio de Janeiro, no ano de 2013: “Ninguém pode tocar a Cruz do Bom Jesus sem aos seus pés deixar um pouco do que é seu e sem trazer pra si um pouco dessa Cruz!” A atração conduz ao toque! A fé de nosso povo simples faz a Igreja entender que, por meio do belíssimo costume de nosso povo em tocar as chagas do Bom Jesus, é possível viver uma interligação solidária entre o sofredor da vida e aquele que venceu o sofrimento humano! O contato do fiel, mesmo que com a imagem, com o símbolo, com a representação, faz com que ele una, por meio de tal gesto, o seu sofrimento ao sofrimento de Cristo, sinal de redenção e de transformação humana!

Faz-se necessário tocar a cruz de Jesus! O toque nos tira de uma compreensão virtual de nossa fé! O toque nos livra da indiferença e do egoísmo! O toque faz com que nós sintamos, em nossa pele, em nossa vida e em nossa existência a presença real do sagrado e a força que alimenta, desde sempre, a Igreja de Cristo: a força da Cruz! Todo aquele que toca a Cruz de Jesus deixa uma parte de sua história, de seus dramas, de seus sofrimentos aos pés dela e leva consigo um pouco da força redentora da vitória de Cristo sobre a morte! O gesto de veneração e de amor à Cruz de Jesus, tão marcante na Sexta-feira Santa, encontra, neste Santuário, ressonância perene ao longo de todo o ano.

É necessário tocar a cruz de Jesus! O que a Cruz deixou naqueles que a viram e naqueles que a tocaram? Responde o Papa Francisco: “O que isso deixa em cada um de nós? Olha, isso deixa um bem que ninguém mais pode nos dar: a certeza do amor fiel de Deus por nós. Um amor tão grande que entra em nosso pecado e o perdoa; entra em nosso sofrimento e nos dá forças para enfrentá-lo, mas também entra na morte para superá-la e nos salvar. Na Cruz de Cristo está todo o amor de Deus; está a sua imensa misericórdia. É um amor em que podemos confiar, em que podemos acreditar”.

Neste momento em que ainda vivemos as negativas influências do terrível mal que assola toda a humanidade, somos impedidos do contato físico, do tato, do abraço, do beijo. Gestos que marcam a nossa solidariedade, a nossa empatia, o nosso compromisso, a nossa atração. A cruz não foi tocada fisicamente. Estamos distantes uns dos outros! Estamos distantes da imagem do Bom Jesus, mas o Bom Jesus, seu amor por nós e sua atração imensa atingem o nosso coração!

Não tocamos a Cruz de Cristo, não beijamos as suas chagas, não vivemos a solidariedade do amor no contato físico com nossos irmãos, mas a dimensão espiritual desse toque faz com que nós nos sintamos acolhidos, agraciados, atendidos pelo Bom Jesus! Tocamos o Bom Jesus com nosso olhar fixo, com o nosso pensamento reto e com o nosso coração confiante! Ele nos toca com o seu olhar misericordioso, com sua presença marcante e com o seu poder sem igual! Nos tornamos “Santuários do Deus vivo” (2Cor 6,16).

Encerro com as palavras do Cardeal Ângelo Comastri: “O homem pensou insensatamente: Deus morreu! Mas, se morre Deus, quem nos dará ainda a vida? Se morre Deus, o que é a vida? A vida é amor!

Então, a Cruz não é a morte de Deus, mas é o momento em que se rompe a frágil crosta da humanidade assumida por Deus e começa a inundação de amor que renova a humanidade.

Da Cruz nasce a vida nova de Saulo;

Da Cruz nasce a conversão de Agostinho;

Da Cruz nasce a pobreza feliz de Francisco de Assis;

Da Cruz nasce a bondade irradiante de Vicente de Paulo;

Da Cruz nasce o heroísmo de Maximiliano Kölbe;

Da Cruz nasce a maravilhosa caridade de Madre Teresa de Calcutá;

Da Cruz nasce a coragem de João Paulo II;

Da Cruz nasce a revolução do amor: por isso a Cruz não é a morte de Deus, mas é o nascimento do seu amor no mundo.

[Da Cruz nasce uma vida nova para todos nós!]

Bendita seja a Cruz de Cristo!”

Amém.

Textos consultados:

COMASTRI, Ângelo Card. Via-Sacra no Coliseu Romano. Roma, 14 de abril de 2006.

FRANCISCO, Papa. Discurso na Via-Sacra com os jovens. Rio de Janeiro, 26 de julho de 2013.