Esta passagem do Evangelho costuma nos causar dificuldade. Tem-se a impressão que Jesus não se sente tocado com a chegada de sua mãe e de sua parentela. Não o recebe imediatamente dizendo: “Que bom que vocês vieram!” Os evangelhos não constituem um relato total de tudo o que está acontecendo. Querem mostrar algo de novo na vida e mensagem de Jesus. Não devemos cobrar demais dos evangelistas. Além da família de sangue há uma família mais ampla. São irmãos, mães e familiares entre si dos que fazem a vontade do Pai.
Todos estamos mais do que convencidos da beleza, importância da vida em nossas vidas e de seu benefício vista da humanidade. João Paulo II dizia: “O futuro da humanidade passa pela família”. Nela nascemos, nela somos cuidados e nela aprendemos as verdades fundamentais da existência: o amor mútuo, os serviços trocados, o conhecimento das raízes de nosso ser, as primeiras experiências de alegria, choramos com os que choram, rimos com a alegria dos outros. Aprendemos a cuidar uns dos outros.
A casa, os móveis, o quintal, as visitas, o córrego atrás da casa, a festas de aniversário, a ternura da mãe, a presença de um pai que seja pai de verdade e que com seu testemunho nos ajude a compreender o Pai dos céus que tem as características do estar atento, fazer-se presente, adivinhar nossas turbulências e fazer festa depois que andamos por estradas distantes.
É ali que começamos a empreitada da busca de Deus e tomamos consciência de que Jesus ressuscitado anda nos chamando para seu seguimento. A imagem de Jesus, a oração à mesa, a compreensão e vivencia do domingo, os gestos de perdão.
Não é aqui o espaço de dissertar sobre o que pode, pode, acontecer e acontece em muitas famílias: miséria material, famílias sem o pai ou sem mãe, fragilidade das uniões, feminicídios, abusos, os filhos sendo formados pela sociedade do consumo e da permissividade. Falta de encontros carinhosos entremos seus membros, tudo clean, uma pensão para se abrigar das intempéries e não uma plataforma que forme homens e mulheres de valor e espaço onde não é. Sabemos que em muitas situações a família é uma camisa de força e espaço onde não tem mais vontade de estar e de se abraçar. Por isso e por muitas razões defendemos a família com unhas e dentes.
Cuidado, no entanto. A família não pode fechar-se em si mesma. Combatemos violentamente o que se resolveu designar de familismo. “Nossa família, nossas coisas, tudo bonitinho. Tudo para nós. Os outros, que se arranjem”. Há famílias mais ou menos bem situadas na vida que só pensam nos seus. Jesus fala de uma família mais ampla. Somos irmãos e parentes dos que fazem a vontade do Pai. Todos fomos lavados na águas do peito do Senhor. Fomos revestidos da mesma festa. Dizemos a palavra “irmão” sabendo o que estamos dizendo.
Até que ponto os poderes públicos estão se preocupando com a solidez da família? Como vemos estas propagandas que minam o amor conjugal? Os pais estão dispostos a terem filhos e educa-los humana e cristãmente? Qual a filosofia de nossos colégios? O que se passa pela cabeça dos que se casam hoje? As pessoas se casam? Sentimos que o motorista do ônibus, o balconista da padaria, o médico que cuida de nossos joelhos, o pedinte são nossos irmãos?
Que assunto complicado este pelo qual ando me embrenhando!!!… Nossos movimentos familiares compreenderam que não se trata de arrumar bonitinhamente tudo, salpicando um pouco de água benta em nossas famílias, mas fazer uma ação para fora de nossos cercados. O mundo é maior do que nossa concepção de família. E sem uma pastoral aberta fica difícil pensar no amanhã do mundo e da Igreja.
Quem são meus irmãos e minhas irmãs?