Por que cobrir as imagens sacras no fim da Quaresma?

O antigo e bonito costume da velatio

Com o início do tempo quaresmal, nosso espírito celebrativo se volta para uma maior contemplação e reflexão dos mistérios da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Em todas as nossas Paróquias e comunidades, nosso povo se reveste e se nutre de práticas e exercícios que traduzem, no seu dia-a-dia, este mesmo espírito quaresmal. Nas Igrejas, centro da fé e da celebração comunitária, o mesmo espírito se expressa na ausência da ornamentação floral e nos modestos símbolos que remetem a este tempo de preparação e de penitência que é a Quaresma.

 

Um destes costumes presentes na raiz da piedade popular é de se velar as imagens e crucifixos neste período. Mas, para entendermos melhor o sentido deste costume, que vem perdendo a sua finalidade original, precisamos buscar qual é o sentido da presença das imagens e ícones em nossas Igrejas. Uma vez que estas não se fazem presentes no espaço sagrado e litúrgico simplesmente para enfeite dos mesmos, sua presença e veneração contribuem significativamente para a compreensão daquilo que naquele espaço é vivenciado: a celebração da fé cristã por meio dos sacramentos da Igreja.

A Igreja de Jesus Cristo é uma comunidade viva de oração e de comunhão. Junto à parcela da Igreja que se reúne na celebração da Eucaristia se encontra também a Igreja que aguarda sua salvação na presença de Deus e que ainda padece sua purificação. Assiste a essas duas parcelas da Igreja aquela que já se encontra glorificada na eternidade, os santos e santas de Deus. Nesse sentido, a presença das imagens no interior das Igrejas remete os fiéis ao exemplo e à intercessão desta Igreja que é modelo de vida e de peregrinação neste mundo. As imagens transmitem ao nosso coração a esperança daqueles que venceram o mundo e a alegria dos mesmos que receberam do Cristo Ressuscitado uma imarcescível de glória.

O costume da velatio, que consiste basicamente em cobrir/velar as imagens e os crucifixos das igrejas remonta, conforme a tradição da Igreja, ao século IX e chegou até nossas comunidades através das orientações litúrgicas propostas pelos Concílios da Igreja. De acordo com esse antigo e belo costume, as imagens e os crucifixos são velados por um pano de cor roxa para direcionarem a atenção dos fiéis e da celebração litúrgica apenas para o Mistério Pascal que é celebrado no findar da quaresma: Paixão, Morte e Ressurreição.

As orientações litúrgicas da Igreja para esse costume são claras quando afirmam que “o uso de cobrir as cruzes e as imagens na igreja, desde o V domingo da Quaresma, pode ser conservado segundo a disposição da Conferência Episcopal. As cruzes permanecem cobertas até ao término da celebração da Paixão do Senhor na Sexta-feira Santa; as imagens até ao início da Vigília Pascal” (Paschalis Sollemnitatis 26). Tal orientação é repetida pelo Missal Romano em uma rubrica para o sábado da IV Semana da Quaresma, na página 211 da segunda edição típica em português.

A fidelidade a esta orientação da Igreja expressa a intensidade que o período quaresmal assume com a celebração do Quinto Domingo da Quaresma. Antes da reforma litúrgica promulgada pelo Concílio Vaticano II, o Quinto Domingo, por causa de sua reflexão maior sobre a Paixão de Cristo, era intitulado “Primeiro Domingo da Paixão”. Devido a finalidade catequética deste costume, a liturgia reformada herda tal costume para lembrar aos fiéis que, a partir da velatio das imagens e dos crucifixos, a Páscoa do Cordeiro redivivo se aproxima. Para ela estejamos atentos e nos preparemos na pureza e na verdade!

Para uma maior e melhor preparação e participação nas celebrações dos Mistérios Pascais, sugiro a leitura e o estudo da Carta Circular Paschalis Sollemnitatis , promulgada pela Congregação para o Culto Divino em 16 de janeiro de 1988.