Mc 9,38-43.45.47-48
“É MELHOR ENTRAR NO REINO DE DEUS COM UM OLHO SÓ, DO QUE, TENDO OS DOIS, SER JOGADO NO INFERNO”
O Evangelho deste domingo (cf. Mc 9, 38-41) nos apresenta um episódio repleto de significado. Um homem, que não fazia parte do círculo de seguidores de Cristo, expulsa demônios em nome de Jesus. João, o apóstolo zeloso, tenta impedi-lo, mas é corrigido por Jesus. O Mestre, com paciência, ensina que o bem pode ser realizado por pessoas além dos limites visíveis da comunidade dos discípulos. A ação de Deus não está restrita a um grupo particular; Ele pode realizar prodígios por meio de muitos, mesmo fora do círculo de seus seguidores mais próximos.
Jesus ensina que até mesmo um gesto simples, como dar um copo de água a um missionário, tem valor diante de Deus (cf. v. 41). Esse gesto aparentemente modesto, mas cheio de significado, reflete a amplitude da colaboração no Reino de Deus. Qualquer ação de bondade, desde que feita com intenção reta e respeito, é valiosa aos olhos do Senhor.
Santo Agostinho, ao refletir sobre essa questão, afirma: “Como na Católica — ou seja, na Igreja — é possível encontrar o que não é católico, assim fora da Católica pode existir algo de católico” (Sobre o batismo contra os donatistas, VII, 39, 77). Essa citação nos lembra que o bem pode ser encontrado tanto dentro quanto fora da Igreja. Portanto, os membros da comunidade eclesial não devem sentir inveja ou ciúme quando alguém fora dela realiza o bem em nome de Cristo. Pelo contrário, devemos nos alegrar e louvar a Deus pela diversidade de modos com os quais Ele age no mundo.
Esse ensinamento é especialmente relevante quando olhamos para dentro da própria Igreja. Muitas vezes, pode haver dificuldade em valorizar as diferentes expressões e realidades eclesiais. Contudo, o Espírito Santo atua de maneira variada e fecunda, e somos chamados a apreciar essa “fantasia” divina, que enriquece a Igreja com tantos dons e carismas.
A segunda leitura da Liturgia deste domingo, extraída da Carta de São Tiago (cf. Tg 5, 1-6), complementa o ensinamento do Evangelho, com uma forte advertência contra os ricos que constroem suas vidas sobre a injustiça. Tiago denuncia aqueles que acumulam riquezas de forma desonesta, explorando e oprimindo os mais vulneráveis. Ele alerta que a segurança colocada nas riquezas mal adquiridas não leva à verdadeira vida.
Cesário de Arles, em seus sermões, destaca que “a riqueza não pode causar mal a um homem bom, porque a oferece com misericórdia, assim como não pode ajudar um homem mau, se a conserva avidamente ou a esbanja na dissipação” (Sermões 35, 4). Nesse sentido, a riqueza, por si só, não é moralmente condenável, mas o seu uso é o que define o seu valor diante de Deus. A acumulação egoísta e a indiferença à necessidade do próximo são condenadas, enquanto o uso solidário e generoso dos bens materiais é uma forma concreta de vivermos o amor cristão.
Assim, as leituras deste domingo nos convocam a refletir sobre duas grandes questões: a universalidade do bem e a justiça no uso das riquezas. O bem pode ser realizado por qualquer pessoa de boa vontade, dentro ou fora da Igreja, desde que com retidão de coração. E, ao mesmo tempo, somos exortados a administrar os bens materiais com responsabilidade, usando-os sempre para o bem comum e a solidariedade.
Que a Liturgia deste domingo nos ajude a expandir nossa visão de quem pode ser agente do bem e nos inspire a viver uma vida de generosidade e justiça.


Referência: BENTO XVI. Um caminho de fé antigo e sempre novo: Pregações para o ano Litúrgico. Tomo II.
								




