Mc 9,30-37
“Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!”
No Evangelho deste domingo (cf. Mc 9, 30-37), Jesus faz o segundo anúncio de sua paixão, morte e ressurreição aos discípulos. A reação dos apóstolos revela uma profunda incompreensão. Eles não captam o verdadeiro sentido da mensagem de Cristo e, ao contrário, continuam presos a uma mentalidade terrena, discutindo sobre quem entre eles deveria ser o maior (cf. Mc 9, 34). Tal postura expressa um contraste evidente entre o plano de salvação de Deus e as expectativas humanas centradas no poder e na honra.
Jesus, em sua pedagogia divina, não repreende duramente os discípulos, mas pacientemente lhes ensina a verdadeira lógica do Reino de Deus, que se funda no serviço e na humildade. Ele afirma: “Se alguém quiser ser o primeiro, há de ser o último de todos e o servo de todos” (Mc 9, 35). Essa afirmação é central no ensinamento cristão, pois subverte a lógica mundana e exalta a entrega de si mesmo como forma de plenitude.
O ensino de Cristo, nesse contexto, ilumina a antropologia cristã, que vê no ser humano a imagem de Deus, chamado ao amor e à comunhão. No entanto, devido à ferida do pecado original, essa vocação ao amor é muitas vezes distorcida. Em vez de um amor autêntico, que se entrega gratuitamente, o ser humano tende ao egoísmo, à busca de poder e ao desejo de dominar. A disputa entre os discípulos sobre “quem é o maior” reflete essa inclinação deturpada, que Cristo veio redimir por meio de sua cruz e ressurreição.
A Carta de São Tiago, proposta na liturgia hodierna, reforça esse contraste entre o espírito que vem de Deus e as paixões humanas. O apóstolo escreve: “Onde há inveja e espírito faccioso, também há perturbação e todo gênero de obras más. Mas a sabedoria que vem do alto é, em primeiro lugar, pura; depois, é pacífica, indulgente, dócil, cheia de misericórdia e de bons frutos, imparcial, sem hipocrisia” (Tg 3, 16-17). Aqui, somos convidados a buscar a sabedoria divina, que se manifesta na pureza de coração e na busca da paz, contrastando com a desordem causada pela inveja e pelas divisões.
O caminho que Cristo apresenta é, sem dúvida, exigente. Ele pede que abandonemos nossas seguranças terrenas e nossas aspirações egoístas para abraçar a cruz. No entanto, como o próprio Senhor afirma, “quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, salvá-la-á” (Mc 8, 35). A verdadeira vida não se encontra na preservação egoísta de si mesmo, mas na entrega generosa ao serviço dos outros e na conformidade à vontade de Deus.
Seguir Cristo implica renunciar às ambições pessoais que nos afastam do verdadeiro sentido da existência. O discipulado autêntico exige uma transformação profunda, em que o amor de Deus purifica nossas intenções e ações, conforme a sabedoria que vem do alto. Acolher essa sabedoria nos conduz à paz interior e à prática da justiça, como São Tiago sublinha: “É com a paz que uma colheita de justiça é semeada pelos obreiros da paz” (Tg 3, 18).
Este é o convite do Evangelho: uma vida plenamente vivida na lógica do serviço e da doação, onde a grandeza não está no domínio, mas na humildade e na entrega de si. Somente ao seguir esse caminho, iluminado pela cruz e pela ressurreição, encontramos o verdadeiro sentido de nossa vocação cristã.


Referência: BENTO XVI. Um caminho de fé antigo e sempre novo: Pregações para o ano Litúrgico. Tomo II.






