A Campanha da Fraternidade 2025, com o tema “Fraternidade e Ecologia Integral”, nos convida a refletir sobre nossa missão de cuidar da criação de forma integral e responsável. Em um tempo em que o planeta enfrenta uma crise socioambiental cada vez mais grave, somos chamados a dar uma resposta concreta e profunda. A frase do Gênesis, “Deus viu que tudo era muito bom!” (Gn 1,31), lembra-nos que a criação, em sua totalidade, é um reflexo da bondade divina, cabendo a nós, seres humanos, zelarmos por ela.
A palavra “ecologia”, derivada do grego “oikos“, que significa “casa”, revela que a Ecologia Integral se refere ao cuidado com nossa casa: a casa interior, a casa da família, a casa da cidade e, finalmente, a casa que é o planeta Terra. Quando falamos de Ecologia Integral, falamos de um cuidado que deve envolver todos os aspectos da vida humana — desde as relações pessoais até a interação com a criação como um todo. O ser humano foi criado para viver em uma dinâmica de cuidado com o mundo ao seu redor, um cuidado que é reflexo do amor e da responsabilidade com que Deus criou todas as coisas.
Esse compromisso com o cuidado da vida e da criação está profundamente enraizado na tradição cristã e recebe destaque especial na encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco. A Ecologia Integral, conforme apresentada pelo Papa, é um conceito que integra as dimensões ambiental, econômica, social, cultural e cotidiana. Ele destaca que os problemas ambientais não podem ser abordados isoladamente, pois estão interligados com as questões humanas e sociais, exigindo soluções que contemplem essa complexidade. A Laudate Deum, exortação publicada em 2023, reafirma a urgência de ações mais efetivas para combater as mudanças climáticas, ampliando a reflexão iniciada pela Laudato Si’ e convidando os cristãos a assumirem sua responsabilidade pela criação.
Antes de olharmos para o mundo à nossa volta, é necessário que o ser humano faça uma reflexão profunda sobre o seu próprio ser. A narrativa do Gênesis, ao nos apresentar a criação do homem à imagem e semelhança de Deus, revela que o domínio conferido ao ser humano sobre a criação não é opressor ou violento. Ao contrário, é um domínio suave, responsável e orientado pelo cuidado. O verbo hebraico “radah”, utilizado em Gênesis 1,26-28, indica um domínio que não visa à exploração, mas sim à organização e preservação da vida. O ser humano é chamado a cuidar do mundo através de um domínio suave, com zelo e amor.
Entretanto, antes de exercer esse domínio sobre o mundo externo, é necessário que o ser humano, em sua natureza, domine sua própria animalidade. O domínio sobre si mesmo é o primeiro passo para o domínio responsável sobre a criação. Como observa Wénin (2011), a missão humana não se limita a um poder sobre a terra e os animais, mas começa com o autocontrole, o domínio sobre as próprias paixões, impulsos e desejos. Ou seja, antes de cuidar da Casa Comum, é preciso cuidar da nossa Casa Interior! Só então o ser humano pode exercer sua vocação de cuidar e cultivar a terra de maneira harmoniosa e não violenta.
A relação que o homem deve estabelecer com a criação é marcada por uma postura de cuidado, onde a harmonia, a suavidade e o respeito prevalecem. A Bíblia ensina que o ser humano foi colocado no jardim do Éden para “cultivar e guardar” (Gn 2,15). Essa responsabilidade reflete a missão divina de preservar a beleza e o equilíbrio da criação. A imagem de Deus no ser humano não é um status passivo, mas uma missão ativa que deve ser vivida em relação com os outros e com o mundo criado. Nesse sentido, a Ecologia Integral não é apenas uma questão de conhecimento técnico ou científico, mas uma mudança profunda na maneira de viver nossa fé e nosso compromisso com a criação: somos guardiões e cuidadores desse mundo, somos levados a fazer escolhas mais justas e solidárias, que promovam a vida e a justiça para todos os seres humanos e para o planeta.
Este compromisso ganha ainda mais relevância em 2025, quando vivemos o Jubileu 2025, cujo tema “Peregrinos de Esperança” reforça o convite à reconciliação integral entre os povos, com a criação e com Deus. Além disso, a realização da COP 30 em Belém, em novembro, reforça a importância profética desta Campanha da Fraternidade, ecoando o chamado do Papa Francisco por decisões corajosas e comprometidas na proteção da nossa casa comum e na promoção da dignidade da pessoa humana.
Cristo, ao assumir a carne humana, insere-se na criação, redimindo-a e conferindo-lhe dignidade ainda mais profunda. Se “o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14), essa habitação divina em nosso meio, mais que um evento histórico, é uma realidade contínua que nos chama à responsabilidade: se Deus fez da criação sua morada, então cuidar da criação é cuidar do próprio espaço onde Deus se manifesta. Essa compreensão conecta-se à teologia paulina: “Acaso não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1Cor 3,16). Se o próprio ser humano é “oikos” de Deus, então a Ecologia Integral não deve ser reduzida a um discurso ambientalista, mas deve englobar acima de tudo todas as relações que constituem a vida: com o meio ambiente, com os outros e com o próprio Deus.
A Campanha da Fraternidade 2025 nos convida a viver esse processo de conversão, em um tempo de reflexão quaresmal, no qual somos chamados a cultivar uma nova relação com a criação. Não se trata apenas de uma mudança nas práticas externas, mas de um retorno ao nosso papel original como cuidadores da terra, de nossos irmãos e de nós mesmos. Que, ao nos inspirarmos nas palavras de São Francisco de Assis, possamos também reconhecer que, assim como o irmão Sol, a irmã Lua e as estrelas, todos os elementos da criação refletem o amor de Deus e, por isso, devem ser respeitados e cuidados: “Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas”. E assim, como peregrinos neste mundo, habitamos e construímos nossa Casa Comum, na esperança de um dia sermos acolhidos na Casa Definitiva – o Céu. Amém!


Referências:
FRANCISCO, Papa. Laudato Si’ – Sobre o cuidado da casa comum. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2015.
FRANCISCO, Papa. Laudate Deum – Exortação sobre a crise climática. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2023.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB). Campanha da Fraternidade 2025: Fraternidade e Ecologia Integral. Texto-Base. Brasília, DF: Edições CNBB, 2025.
WÉNIN, André. De Adão a Abraão ou as errâncias do humano: leitura de Gênesis 1, 1-12, 4. São Paulo: Loyola, 2011.





