Nossa Senhora da Conceição Aparecida: Mãe Negra do Povo de Deus

O Brasil se alegra e louva a Deus por nos ter dado numa imagem de Nossa Senhora da Conceição um sinal de seu amor. Isso porque, em 1717, nas águas do rio Paraíba do Sul, foi encontrada essa imagem que, dadas as circunstâncias desse encontro, foi acolhida como uma verdadeira “aparição” da Mãe de Deus, trazendo esperanças de vida para os que dela se aproximavam com devoção.

Por ter sido tirada das águas do rio pelos pescadores Domingos Garcia, João Alves e Felipe Pedroso foi chamada de “Aparecida”, a Virgem Santa que apareceu nas águas do rio Paraíba do Sul. O nome dado à imagem nos faz pensar que não se trata de um achado qualquer, mas de um presente dado a nós, pois não foi o acaso que provocou tal descoberta, mas foi a Santa Virgem mesma que se deixou encontrar, quis aparecer para o povo.

E, progressivamente, a Senhora “Aparecida” vai ganhando o afeto da população. De fato, o catolicismo brasileiro, desde 1500, nasce num clima de devoção mariana. Mas algo de especial chama a atenção sobre essa imagem. Uma interpretação popular repousa sobre a mesma de modo muito singular. “A cor da imagem assemelha-se à tez da população da região, formada por mamelucos, índios, negros, alguns mulatos e brancos. Trata-se não de uma Senhora comum, mas alguém que tem a cor do povo” (MAGGIONI 2006, p. 114).

A reflexão popular sobre a cor da imagem está inserida dentro de um contexto de uma Senhora que vem para ficar junto dos pobres e que, inclusive, toma a defesa deles. Uma Senhora Libertadora e nunca uma senhora de engenho, nunca uma dama da corte e da mesa fina, inatingível pelos clamores de sofrimento das pessoas. Nunca! Desde a sua graciosa “aparição” já vem carregada no barco, nos braços e no coração de pescadores. E fez sua casa, domus mariae, no meio dos pobres. Desse meio, pobre e religioso, nunca mais saiu.

Também um grande personagem do Antigo Testamento também foi tirado das águas de um rio: Moisés, aquele que seria o libertador do povo de Deus em situação de escravidão. Encontrado pela filha do Faraó foi educado para ser um príncipe, mas o Deus libertador o chama para a libertação. Por isso, provocado pelos maltratos infligidos sobre os seus irmãos hebreus e confirmado pela experiência de Deus através da sarça ardente, é investido de missão libertadora. E a força de Deus estava com ele. E essa força se manifestou naquilo que foi denominado de “pragas do Egito”, que podem ser compreendidos como sinais, apelos de libertação e preferencia de Deus pelos pobres (cf. Ex 2,1-11,9).

Alguns sinais e apelos de libertação também acompanharam a imagem de Aparecida. Primeiramente o próprio encontro da imagem. Os três pescadores foram ao rio em busca de peixes para oferecer uma farta mesa àquele que seria conhecido como Conde de Assumar, futuro governador do Rio de Janeiro. A Câmara local, com ameaças de represália, mandou que se trouxesse todo o peixe encontrado, mas assim como Deus, também a natureza não está à mercê dos poderosos. Nada se pescou. Contudo, nessas tentativas, é que se encontrou a imagem da Virgem, primeiro o corpo depois a cabeça, colocando-a num canto do barco. Tão nobre companheira, solidária, foi acompanhada por um sucesso de pesca. (cf. MAGGIONI 2006, p. 113-114). Não para fartar ricos e poderosos, pois ela profetizou que Deus os derrubaria de seus tronos (cf. Lc 1,2), mas porque a defesa dos trabalhadores é um assunto muito sério.

Outros sinais de solidariedade também apareceram. Um homem escravizado de nome Zacarias reza a Deus, sob a intercessão da Virgem. Ele vê nos olhos da Santa e na tez de sua imagem uma compaixão muito grande. Vê que ela assume suas dores e que, como Deus não suporta qualquer forma de escravidão, também ela não suporta. As correntes que o negro trazia e o tornava escravo se rompem. Não existem escravos diante de Deus, mas filhos e filhas livres e amados. Mãe dos trabalhadores pobres, Mãe dos que foram feitos escravos e clamam por libertação.

Ainda, lembremos o orgulhoso “graúdo”, que em tom de desafio quis entrar no domus Marie montado num cavalo. A pata do cavalo fica presa nas escadas do Santuário mariano. Na casa de Deus, guardada por Maria, não existem senhores e senhoras, o arrogante e orgulhoso não recebe honras e elogios. É como nos ensinou Antônio Conselheiro: “Só Deus é grande!”. Montado na arrogância, no orgulho e no desrespeito aos pobres não se chega ao coração do Mistério de Deus. Por que assim como Deus olhou a humildade de sua serva (cf. Lc 1,48), Ele olha com predileção para todas as vítimas de violência e opressão. O impedimento de entrar montado num cavalo na igreja revela-nos que Maria é Mãe dos trabalhadores, dos escravizados e dos pobres e humildes.

Nas rezas à Senhora Aparecida, as velas se negavam a apagar, sempre acesas, indiferentes ao tempo e à mão das pessoas (cf. ADUCCI 2003, p. 301). Isso nos indicam que Maria está sempre atenta à nossa caminhada. Essas velas permanecem acesas e irão permanecer até a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo. E a Virgem Aparecida, não cooptada pelos poderosos, sempre será a Negra Mãe do povo brasileiro. Salve Maria!

Referências:

ADUCCI, Edésia. Maria e seus títulos gloriosos. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2003.
MAGGIONI, Corrado. Maria na Igreja em oração. Solenidades, festas e memórias marianas no ano litúrgico. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2006.

[1] Frei Jonas Nogueira da Costa, OFM. Doutor em Teologia Sistemática (pesquisa em Mariologia) pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE. Guardião da Fraternidade Nossa Senhora de Lourdes e Vigário da Paróquia São Francisco de Assis, em São João del Rei / MG. Vice-presidente da Associação Brasileira de Mariologia; membro da Equipe Teológica da Academia Marial de Aparecida. Contato: jonas.mariologia@ofm.org.br