A poucos dias do fim do ano, a Presidência da CNBB dirige uma mensagem ao povo brasileiro marcada por esperança cristã e profunda preocupação com a realidade social, política e ética do país. Inspirados na passagem bíblica “a esperança não decepciona” (Rm 5,5), os bispos recordam o Natal como sinal de que nenhuma escuridão é definitiva e reafirmam a esperança como força transformadora da história.
O texto reconhece avanços importantes em 2025, especialmente nas áreas da saúde, com o fortalecimento do Sistema Único de Saúde; da economia, com queda do desemprego, estabilidade da inflação e crescimento do PIB; e da sustentabilidade, destacando a realização da COP-30 no Brasil, o protagonismo em energias renováveis e o aumento de investimentos em práticas ambientais, sociais e de governança. Também são citadas experiências positivas no campo da participação popular e do cooperativismo.
Ao mesmo tempo, a mensagem expressa inquietação diante de retrocessos éticos, sociais e democráticos. Entre os pontos criticados estão o elevado custo da dívida pública, o enfraquecimento da ética e o aumento da corrupção, a fragilização das instituições democráticas, a flexibilização de marcos legais, o desrespeito aos povos originários, as ameaças à proteção ambiental, a persistente desigualdade social, o crescimento da violência, especialmente o feminicídio, e a disseminação de discursos de ódio e radicalismos.
A presidência reafirma a sacralidade da vida humana, da concepção ao fim natural, manifestando-se contra qualquer iniciativa de legalização do aborto, e sublinham que defender a vida implica também combater a fome, a miséria e a desigualdade. A democracia é apresentada como patrimônio do povo brasileiro, que exige cuidado, diálogo e compromisso com o bem comum.
Por fim, a mensagem convoca a todos a serem construtores da paz, promotores da justiça e da responsabilidade social, reafirmando a esperança como caminho para a pacificação do país.
MENSAGEM DE ANO NOVO
“A esperança não decepciona, porque o amor de Deus
foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo” (Rm 5,5).
Há poucos dias, celebramos o Natal de nosso Senhor Jesus Cristo. Naquela noite santa, o anjo já o disse aos pastores, e hoje repete a nós: “Não temais! Eu vos anuncio uma grande alegria, que será também a de todo o povo” (Lc 2,10). Por ocasião do encerramento do Ano Jubilar, em nossas dioceses, e praticamente do ano civil, dirigimo-nos ao povo brasileiro com uma mensagem de esperança, mas, ao mesmo tempo, de grave preocupação. Como pastores, exultamos com as vitórias e conquistas e nos inquietamos – e até nos indignamos! – com alguns retrocessos no campo da ética e do cuidado com os pobres.
Neste ano, são várias as notícias que nos fazem felizes e renovam nossas esperanças. No âmbito da saúde, ficamos felizes com o aumento da taxa média de médicos pelo número de habitantes e agradecemos a Deus pelo Sistema Único de Saúde. No campo econômico, alegramo-nos com a retirada de algumas tarifas norte-americanas sobre vários produtos brasileiros, a estabilidade da inflação, a taxa de desemprego em queda, o relativo crescimento do PIB, o significativo aumento do cooperativismo e a abertura de novos mercados internacionais.
Orgulhamo-nos da realização da COP-30, em Belém do Pará, e também nos enleva o fato de o Brasil consolidar sua liderança em energias renováveis. A Igreja se fez presente, não como protagonista político, mas desejosa de contribuir para a construção de caminhos comuns diante da crise climática e o cuidado com a “Casa Comum”. Aumentou significativamente o investimento privado em sustentabilidade, em práticas ambientais, sociais e de governança (ESG). Os movimentos populares se alegram, sobretudo, com a realização do Plebiscito Popular sobre a redução da jornada de trabalho e a taxação proporcional à riqueza.
Constatamos experiências positivas. Contudo, há também várias situações que nos entristecem e preocupam. No âmbito da convivência democrática, o ano de 2025 foi marcado por profundas tensões e retrocessos sociais, que deixaram feridas abertas no tecido social. Algumas experiências fragilizaram seriamente a confiança nas instituições e desafiaram as pessoas de boa vontade, que acreditam numa sociedade mais justa e fraterna. Entre essas, destacam-se: o pagamento exorbitante de juros e amortizações da dívida, que deixa o país sem capacidade de maior investimento em educação, saúde, moradia e segurança; o enfraquecimento da ética e o aumento da corrupção na vida pública; a fragilização dos mecanismos democráticos, por causa de interesses econômicos e disputas de poder; a flexibilização de marcos legais essenciais, como a Lei da Ficha Limpa; o desrespeito pelos povos originários e tradicionais, agravado pela aprovação do Marco Temporal no Congresso Nacional; as ameaças à proteção ambiental, intensificadas pelas mudanças na Lei Geral do Licenciamento; a desigualdade social, que continua marginalizando muitos; o aumento da violência, especialmente o feminicídio e outros crimes motivados pela intolerância; o uso de drogas e o crescimento de “economias ilícitas”; a perda de decoro e a falta de responsabilidade por parte de algumas autoridades, especialmente do nosso Congresso Nacional. Discursos de ódio, manipulação da verdade, violências, radicalismos ideológicos e interesses particulares não podem se sobrepor ao bem comum.
Tais realidades ferem a dignidade humana e obscurecem a vocação democrática do país. O poeta Thiago de Mello traduz esse valor numa bela imagem: “Faz escuro, mas eu canto, porque a manhã vai chegar”. A presença do Deus que se faz criança, simples e próxima, renova nossa convicção de que nenhuma escuridão é definitiva e que a esperança é força transformadora para quem caminha em busca do bem comum. Por isso, reafirmamos que nenhum projeto político pode se sobrepor à vida, ao respeito à pessoa humana, à justiça social e ao cuidado com a casa comum.
Reiteramos a sacralidade da vida humana, desde a concepção até seu fim natural. Ela é o primeiro dos direitos, dom gratuito de Deus, e não pode ser relativizada ou negociada. Por isso, manifestamo-nos firmemente contra qualquer iniciativa de legalização do aborto no Brasil. Defender a vida, contudo, implica também lutar contra a fome, a miséria e a desigualdade. Defender a vida significa criar condições para que “todos tenham vida e vida em abundância” (Jo 10,10).
A democracia, com sua exigência de diálogo, suas instituições, seus freios e contrapesos, é patrimônio do povo brasileiro e precisa de cuidado e promoção. Embora imperfeita, ela é terreno fértil onde a justiça e a verdade podem se abraçar (cf. Sl 85,10) e florescer. Como discípulos e discípulas de Jesus Cristo, somos chamados a ser testemunhas credíveis e exemplares, artesãos da paz, construtores de pontes, promotores da caridade política e da responsabilidade social. A nação precisa reencontrar o caminho da pacificação, do diálogo e do respeito mútuo!
Desejamos e trabalhamos pela paz desarmada e desarmante, humilde e perseverante, por um mundo e por um ser humano pacificados e reconciliados no amor (cf. Ef 2,14), a fim de concretizar o sonho de Jesus Cristo, expresso de modo tão belo por Dom Helder Câmara: “Sem esperança, temos as mãos e os pés amarrados. Somos escravos sem perspectiva de libertação”. Não caminhamos na escuridão; somos peregrinos de esperança!
Que a luz do Menino Deus ilumine nossas famílias, comunidades e nação. Que o Natal acenda em nossos corações a coragem de recomeçar, e que o ano de 2026 nos encontre firmes no testemunho cristão, com o desejo de mudar o mundo, empenhados na oração, nutridos pela Palavra e pela Eucaristia. Que a Mãe Aparecida, Rainha e Padroeira do Brasil, nos acompanhe nesta travessia.
Dom Jaime Cardeal Spengler
Arcebispo da Arquidiocese de Porto Alegre – RS
Presidente da CNBB
Dom João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo da Arquidiocese de Goiânia – GO
1 º Vice-Presidente da CNBB
Dom Paulo Jackson Nóbrega de Sousa
Arcebispo da Arquidiocese
De Olinda e Recife – PE
2° Vice-Presidente da CNBB
Dom Ricardo Hoepers
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Brasília – DF
Secretário-Geral da CNBB




