Jo 2,13-22
“Destruí, este Templo, e em três dias o levantarei”
O templo de Jerusalém era, para os israelitas, o centro do culto e da fé de Israel. Era ao templo que os israelitas se dirigiam para “contemplar a face de Deus” (Sl 42,3) e para comunicar com Deus. O povo amava o templo com um amor comovedor (“a minha alma suspira e tem saudades dos átrios do Senhor” – Sl 84,3; “que alegria quando me disseram: ‘vamos para a casa do Senhor’” – Sl 122,1). Embora a catequese de Israel ensine que a residência de Deus está no céu (cf. Sl 2,4; 103,19; 115,3), o templo é como que uma réplica terrena do palácio celestial de Deus. A vida de toda a comunidade israelita gravitava à volta do templo.
No entanto, os profetas de Israel, em diversas situações, tinham criticado o culto sacrificial que Israel oferecia a Deus no templo, considerando-o como um conjunto de ritos estéreis, vazios e sem significado, uma vez que não eram expressão verdadeira de amor a Javé; tinham, inclusive, denunciado a relação do culto com a injustiça e a exploração dos pobres (cf. Am 4,4-5; 5,21-25; Os 5,6-7; 8,13; Is 1,11-17; Jr 7,21-26). As considerações proféticas acabaram por consolidar a ideia de que a chegada dos tempos messiânicos implicaria a purificação e a moralização do culto prestado a Javé no Templo. Nesta linha, o profeta Zacarias chegou a ligar explicitamente o “dia do Senhor” (o dia em que Deus vai intervir na história e construir um mundo novo, através do Messias) com a purificação do culto e a eliminação dos comerciantes que desenvolviam a sua actividade comercial “no Templo do Senhor do universo” – Zc 14,21).
O gesto que o Evangelho deste domingo nos relata deve entender-se neste enquadramento. Quando Jesus pega no chicote de cordas, expulsa do Templo os vendedores de ovelhas, de bois e de pombas, deita por terra os trocos dos banqueiros e derruba as mesas dos cambistas (vers. 14-16), está a revelar-Se como “o Messias” e a anunciar que chegaram os novos tempos, os tempos messiânicos.
No entanto, Jesus vai bem mais longe do que os profetas vétero-testamentários. Ao expulsar do Templo também as ovelhas e os bois que serviam para os ritos sacrificiais que Israel oferecia a Javé (João é o único dos evangelistas a referir este pormenor), Jesus mostra que não propõe apenas uma reforma, mas a abolição do próprio culto ali prestado. Aquela “casa” tinha-se tornado uma casa de comércio (“não façais da casa de Meu Pai casa de comércio – vers. 16); com o pretexto de dar culto a Deus, praticava-se ali a exploração e a injustiça; em nome de Deus roubava-se o dinheiro dos pobres. Deus não estava ali, há muito que se tinha afastado daquele lugar maldito. O culto ali prestado era, portanto, uma mentira que só interessava aos que beneficiavam com todo aquele negócio. Jesus, o Filho, com a autoridade que Lhe vem do Pai, diz um claro “basta” a uma mentira com a qual Deus não pode continuar a pactuar. Deus não se identifica com o que se passa no templo nem quer o culto que ali se Lhe presta. Tudo aquilo tem que terminar de uma vez por todas.
Os líderes judaicos ficam indignados. Quais são as credenciais de Jesus para assumir uma atitude tão radical e grave? Com que legitimidade é que Ele se arroga o direito de abolir o culto oficial prestado a Javé?
A resposta de Jesus é, à primeira vista, estranha: “destruí este Templo e Eu o reconstruirei em três dias” (vers. 19). Recorrendo à figura literária do “mal-entendido” (propõe-se uma afirmação; os interlocutores entendem-na de forma errada; aparece, então, a explicação final, que dá o significado exacto do que se quer afirmar), João deixa claro que Jesus não Se referia ao Templo de pedra onde Israel celebrava os seus ritos litúrgicos (vers. 20), mas a um outro “Templo” que é o próprio Jesus (“Jesus, porém, falava do Templo do seu corpo” – vers. 21). O que é que isto quer exatamente dizer? Onde é que Jesus quer chegar? Jesus desafia os líderes que O questionaram, a suprimir o Templo que é Ele próprio; mas deixa claro que, três dias depois, esse Templo estará outra vez erigido no meio dos homens. Jesus alude, evidentemente, à sua ressurreição. A prova de que Jesus tem autoridade para “proceder deste modo” é que os líderes não conseguirão suprimi-lo. A ressurreição garante que Jesus vem de Deus e que a sua actuação tem o selo de garantia de Deus. Os defensores da religião oficial vão matar Jesus para o calar; mas, ressuscitando-O, Deus vai garantir aos líderes religiosos judaicos que Jesus tem razão.
Contudo, o mais notável na resposta de Jesus é a sugestão de que Ele é, a partir de agora, o “novo Templo”. Jesus é agora “a casa” onde Deus Se encontra com os homens e onde Se manifesta ao mundo. Jesus é o lugar do encontro, da intimidade, da comunhão entre Deus e os homens. É através de Jesus que o Pai oferece aos homens o seu amor, a sua vida, a sua salvação. Aquilo que a antiga Lei já não conseguia fazer – estabelecer relação e comunhão entre Deus e os homens – é Jesus que, a partir de agora, o faz.


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