Nessa semana completamos dois meses de igrejas fechadas, igrejas vazias e silenciosas. Muitos católicos se lamentam por isso, sofrem espiritualmente por não participarem da Eucaristia, choram por vezes porque a pandemia tirou-lhes a possibilidade de se saírem de casa até a igreja. Muitos outros esperam ansiosamente que os tempos passados voltem ao normal. Mas também podemos meditar e acolher esse tempo com outra visão: como um momento oportuno para “avançar para águas mais profundas” e ocasião de procurar uma nova identidade para o cristianismo.
O nosso mundo está doente. Não só pela pandemia do covid 19, mas também pelo estado da nossa civilização. E nosso Brasil também muito doente. Muita gente pensou que seria uma espécie de blecaute de curta duração, só uma interrupção das atividades sociais habituais e que logo logo voltaria tudo a ser como antes. Mas não vai ser assim, e é até bom que não seja uma volta ao que era antes.
Durante grandes calamidades, é natural que nos preocupemos com as necessidades materiais necessárias à sobrevivência, mas “nem só de pão vive o homem”. Talvez tenha chegado o momento de examinarmos como nos sentíamos seguros em tudo, achando-nos os tais, os dominadores e então apareceu um invisível vírus e derruba nosso poder, nossas certezas, nossa grandeza. A globalização, dinamizada pela ideologia neo-liberal capitalista, chegou ao seu ponto máximo e com o coronavírus. Podemos dizer que esse mundo global é vulnerável, é impotente, não é senhor de tudo nem senhor da vida.
Um padre teólogo Tomás Halík, tcheco, professor de Sociologia na Universidade Charles, em Praga, recordou uma metáfora que o papa Francisco usou em 2015:
A Igreja é como hospital de campanha.
Isso indica que a Igreja não deve ficar em um esplêndido isolamento do mundo, mas deve derrubar as suas fronteiras e ir, e levar ajuda a todos os lugares onde as pessoas estão necessitadas física, mental, social e espiritualmente. Refletindo mais profundamente sobre o significado desta metáfora, padre Tomàs concluiu: Se a Igreja deve ser um “hospital”, ela deve continuar oferecendo a mesma assistência sanitária, social e caritativa que ofereceu desde o seu começo. E como qualquer bom hospital, a Igreja também deve realizar outras tarefas. Deve fazer diagnósticos (identificando os “sinais dos tempos”), fazer prevenção (criando um “sistema imunológico”, em uma sociedade onde dominam os vírus malignos do medo, do ódio, do populismo e do nacionalismo), e fazer convalescência (ultrapassando os traumas do passado com o perdão e a misericórdia).
Igrejas vazias são um sinal e um desafio
No ano passado, a Catedral de Notre-Dame de Paris sofreu um incêndio. Neste ano, não houve celebrações religiosas em centenas de milhares de igrejas no mundo todo, e, também, nas sinagogas e mesquitas. Como padre e teólogo, escreve ele, “reflito sobre essas igrejas vazias ou fechadas como um sinal e um desafio de Deus. Nos momentos de calamidade, os “agentes adormecidos de um Deus mal e vingativo” espalham o medo e preparam um barco religioso só para si mesmos”.Porém podemos ler o sinal com o olhar de uma fé adulta.
Esse tempo de igrejas vazias e fechadas, pode ser um sinal que nos alerta, mesmo após vencermos o covid19. Talvez, escreve o padre Tomàs Halík, este tempo de edifícios eclesiais vazios ponha simbolicamente em evidência o vazio escondido das Igrejas e seu possível futuro, se não fizermos um sério esforço de mostrar ao mundo um rosto de igreja completamente diferente. Ou seja, passarmos de um estático “ser cristão” a um dinâmico “tornar-se cristão”. Talvez devamos aceitar a atual abstinência de serviços religiosos e atividades da Igreja como uma oportunidade para fazermos uma reflexão profunda e empenhada diante de Deus e com Deus. Continuar o caminho de reforma, indicado pelo Papa Francisco, não tentando regressar a um mundo que não existe mais, não confiando em reformas exteriores, mas indo ao centro do Evangelho, fazendo viagem ao nosso interior.
Termino novamente com uma reflexão do pe. tcheco Tomàs Halìk: Podemos aceitar estas igrejas vazias e silenciosas simplesmente como uma medida temporária que, em breve, será esquecida. Mas também podemos acolher isso como um momento oportuno para “avançar para águas mais profundas” e procurar uma nova identidade para o cristianismo, em um mundo que se transforma radicalmente debaixo dos nossos olhos.
A atual pandemia não é, certamente, a única ameaça global para o nosso mundo, nem agora nem no futuro. Façamos deste tempo um desafio para buscar Cristo novamente também do lado de fora das igrejas. Não procuremos entre os mortos Aquele que vive! Busquemo-lo com coragem e persistência, e não fiquemos surpresos se Ele nos aparecer como um estrangeiro, um mendigo, um sem teto. Iremos reconhecê-lo pelas suas feridas, pela sua voz,quando nos falar em nosso coração, e pelo seu Espírito que traz a paz e afasta o medo.