O Amor de Deus: chamado, resposta e salvação

O amor de Deus é a origem e o destino último da vida cristã. Ele se revela na história da salvação e encontra seu ápice em Cristo, que veio libertar a humanidade do pecado e da morte. Diante desse amor infinito, muitos responderam com fidelidade absoluta, entregando a própria vida para permanecerem unidos a Deus e ao seu desígnio de redenção. Esses testemunhos permanecem pelos séculos, iluminando o caminho daqueles que são chamados a amar a Deus com “todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento” (Mt 22,37).

A manifestação desse amor divino se percebe desde a criação do mundo e da humanidade. Em sua relação com Abraão, Deus estabelece um vínculo pessoal e direto, chamando não um povo indistinto, mas um indivíduo concreto, pelo nome. Esse chamado marca a singularidade do monoteísmo abraâmico em contraposição às religiões da época, onde as divindades eram cultuadas de modo coletivo e impessoal. Deus, ao chamar Abraão, inicia uma Aliança baseada na fé e na obediência, demonstrando que seu amor se dirige pessoalmente a cada ser humano. É assim que, mesmo após a traição humana, Deus renovou alianças sucessivas com seu povo, guiando-o na fé e na esperança. De modo extraordinário, a Nova e Eterna Aliança, em Jesus Cristo, foi o selo final e perpétuo desse amor. A doação da própria vida é o selo, a marca do amor de Deus pelos homens: infinito, eterno, fiel.

Sendo Ele absoluto, por que Deus desejaria o amor dos homens? Quando Deus nos convida a amá-Lo, não o faz por carência ou necessidade, mas porque seu amor é transbordante. Em si carrega o dom e o doar-se. Ele cria o ser humano e deseja que ele alcance a perfeição. O mandato de Jesus no Evangelho de Mateus expressa essa verdade: “Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5,48). É por amor e para o nosso próprio bem que Deus nos chama a amá-Lo profundamente.

Da liberdade concedida por Deus, cada homem é chamado a dar uma resposta de amor, aderindo ao seu projeto de salvação. Esse amor, contudo, não pode ser reduzido a sentimentalismos, mas implica o reconhecimento da autoridade de Deus e da sua Palavra – que não é palavra humana qualquer -, mas Palavra viva e eficaz, capaz de salvar e transformar o ser humano. Em Deus a Palavra é realidade – “Faça-se” (Gn 1,3) e a luz se torna realidade. Amar a Deus significa, portanto, escutar e obedecer a sua voz, pois é na obediência à verdade de sua Revelação que o homem encontra sua liberdade autêntica. A redenção, consumada na Cruz, envolve todo humano, mas depende de cada um acolhê-la. O amor a Deus precisa ser uma escolha livre, pois apenas nos âmbitos da liberdade é possível amar verdadeiramente.

Nesse contexto, surge uma pergunta essencial: como deve ser essa resposta de amor a Deus? Essa resposta é pessoal e intransferível, e deve permear toda a vida do cristão. Quem ama, ama por inteiro; não é possível amar pela metade. O amor verdadeiro exige entrega completa ao Amado, manifestando-se nas atitudes e no testemunho de vida. Muitos santos viveram esse amor na prática. São João da Cruz descreve o amor a Deus como um “amor purificador”, princípio pela qual se estabelece a relação homem e Deus. Esse diálogo com o Pai traz à consciência um estado radicalmente transformado por um processo purificador, em que o eu tem a percepção de “viver em Deus” – transparece a vida de seu Amado.

Por isso, torna-se compreensível o motivo de tantos homens e mulheres que, enfrentando seus medos e inseguranças, permaneceram fiéis a Cristo nas perseguições, nas lutas e nas provações, mas também nos momentos de alegria e paz. A santidade é a resposta de amor que o homem dá a Deus – fruto da graça e do dom doado. Dessa forma, a vida cristã deve estar sempre orientada para as realidades celestes. No Evangelho de Mateus, Jesus ensina: “Porque onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (Mt 6,21). Amar a Deus e buscar a santidade são dimensões inseparáveis da vida cristã. Não se pode verdadeiramente amar a Deus sem o esforço contínuo de crescimento espiritual e moral.

Amar a Deus significa abrir o coração às bênçãos que Ele oferece, lutar contra o pecado e os vícios, e agir no mundo para torná-lo um meio em que Cristo seja conhecido e amado. Esse processo transforma o coração humano, mesmo se endurecido pelo pecado. Ser amado por Deus é um chamado à conversão, a um novo modo de viver e de se relacionar com Deus, com o próximo e com o mundo. O verdadeiro cristão entende que exercer sua fé com dignidade exige amar a Deus, amar o próximo e fazer o bem na realidade em que vive, conforme o ensinamento de Cristo.

Madre Teresa de Calcutá, ao ser questionada sobre a caridade, respondeu ao então Monsenhor Angelo Comastri: “Meu filho, sem Deus somos demasiado pobres para ajudar os pobres. Lembre-se: eu sou apenas uma pobre mulher que reza. Rezando, Deus coloca o Seu amor em meu coração, e assim posso amar os pobres. Rezando!”. O amor a Deus é o fundamento da vida cristã. Esse amor, real e sincero, dá sentido à existência, tornando-a fecunda na vivência do Evangelho e na realização do plano de salvação para toda a humanidade.

Os homens são interpelados a não perderem tempo no amor a Deus. Se Deus não o perde em nos amar e nos libertar no sentido mais profundo, o homem deve tão depressa corresponder a esse amor. O coração deve se abrir a Deus e responder com sinceridade o Seu chamado para a vida nova da graça.

 

“Senhor, poderias ter programado nossas reuniões e construir nossos lares,
dar-nos filhos já educados, e netos, em número pré-decidido.
Poderias ter contado nossos beijos e regulado nossos abraços,
conduzido nossas mãos às mãos de nossos irmãos,
fazendo, assim, florescer, sobre uma terra de sonho,
casais unidos para sempre, amizades forçadas,
uma paz imposta.
Mas somos Homens, de pé, livres,
e responsáveis pela Humanidade.

Senhor, obrigado!
Pois não quiseste fazer de nós bonecos de carne,
submissos, entre teus dedos ágeis,
mas filhos queridos, ricos de vida recebida,
que escolhem amar
ou se recusam a amar.

Foi então, Senhor, que, para nos salvar, sem matar a liberdade,
Enviaste teu Filho, homem como nós,
de pé, e livre.

Senhor, eu te amo, porque essa assustadora
liberdade que tanto nos faz sofrer,
é a maravilhosa liberdade que nos
permite amar.” Michel Quoist