Encontro Mundial das Famílias – Roma – 2022
Estimados irmãos, saudamos a sua Santidade, o querido Papa Francisco, a sua Eminência Reverendíssima, o Cardeal Farrel e a todos os membros do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida. Saudamos os demais cardeais, bispos, sacerdotes, famílias e membros dos mais diversos movimentos, serviços e pastorais que cuidam da Família.
E aqui também é momento de saudar nossos amados filhos: João Bosco, com 20 anos, nosso intelectual das mídias sociais, Ana Maria, habilidosa e cuidadosa em tudo que faz, com 18 anos que recém ingressou na vida religiosa, José Afonso com 16 anos nosso atleta que tão jovem já está próximo da faixa preta do Taekwondo, Maria Paula nossa flautista que com 13 anos já toca em uma orquestra bicentenária, Maria Isabel, com 10 anos, nossa cozinheira, amiga dos animais e que sonha em ter uma grande família, Ana Francisca que busca a perfeição nos movimentos da ginástica artística, com 8 anos e que leva Francisca em seu nome como homenagem de amor ao nosso pontífice por ter nascido no ano de sua eleição, e João Diego, que com seus 7 anos, nos faz rir o tempo todo, nos surpreende com o desenvolvimento nos estudos e vibra com sua escolinha de futebol.
Apresentando nossa família, começamos da forma como o salmista nos convida, “proclamando às nações a glória de Deus e a todos os povos as Suas maravilhas.” (Salmo 95, 2s) E como não considerar o amor familiar como uma destas maravilhas? Gostamos de compará-lo a um diamante, com faces de tamanhos diferentes, mas todas muito brilhantes. Poderíamos abordar diversas faces deste diamante, mas consideramos quatro que nos parecem mais importantes.
A primeira delas é entender o lugar do amor familiar na história da salvação. A primeira ordem da Sagrada Escritura foi para homem e mulher serem uma só carne (Cf. Mt 19,6), crescerem e multiplicarem-se (Cf, Gn 1,28). A caminhada do povo de Deus e seus desafios foram vividos em família. A vinda do Salvador seu deu no seio de uma família. Seu primeiro milagre foi durante constituição de uma família. No fim dos tempos teremos o maior e mais esperado casamento (Cf. Ap 19, 7). Essa e outras passagens localizam o matrimônio no coração de Deus. Não temos dúvidas de que não é um mero arranjo humano, mas um plano divino, “o ícone do amor de Deus” (AL121). Somente por esta face, o amor familiar já é maravilhoso!
Vemos em uma segunda face o objetivo deste grandioso projeto. Vindo de Deus, não poderia ser outro senão a santidade! Deus não nos uniu em matrimônio somente para vivermos bem e desfrutar melhor desta vida. Ele nos uniu para juntos chegarmos à Ele! O amor conjugal não leva somente ao encontro do cônjuge, mas encontramos o cônjuge para encontrar a Deus.
Na terceira face contemplamos o amor familiar no seu cotidiano. No ambiente familiar se experimenta o cume do amor que Cristo nos ensinou. Nos esforçamos para sermos solícitos, pacientes, para perdoar e recomeçar sem esperar retornos. Pois até mesmo as obras de caridade podem nos envaidecer e trazer retornos de status social, popularidade ou a vaidade de uma fama de “santinho”, mas na família o amor é verdadeiro e desinteressado. Especialmente o amor dos pais pelos filhos é assim.
Contudo, é na quarta face que o diamante brilha ainda mais. O matrimônio é plano de Deus, aponta para o céu e é um caminho de santificação, mas não é fácil. Aliás, nada é fácil, nem mesmo a vida solteira ou a religiosa. Mas o que nunca podemos perder de vista é que o próprio autor do amor vem nos ajudar a vivê-lo e torná-lo possível!
No Catecismo temos um lindo parágrafo sobre isso, que deveria estar gravado no coração de todos nós:
“Cristo vem ao encontro dos esposos cristãos com o sacramento do Matrimónio». Fica com eles, dá-lhes a coragem de O seguirem tomando sobre si a sua cruz, de se levantarem depois das quedas, de se perdoarem mutuamente, de levarem o fardo um do outro, de serem «submissos um ao outro no temor de Cristo» (Ef 5, 21) e de se amarem com um amor sobrenatural, delicado e fecundo” (Cat 1642).
É algo maravilhoso, mas que somente é possível porque Cristo vem ao encontro dos esposos, o que não é um simbolismo, mas é real e nos confere uma força sobrenatural!
Testemunhamos que, mesmo sendo jovens com grande participação paroquial e em várias atividades pastorais, nos casamos buscando as bênçãos de Deus, mas sem conhecer bem estas maravilhosas faces do amor familiar! Quando conhecemos estas dimensões do matrimônio, o que aconteceu somente depois de anos de casados, nossa percepção mudou completamente. Estas quatro faces: origem, destino, cotidiano santificante e a presença do Senhor deram o sentido que faltava à caminhada, que continuou exigente e desafiadora, mas passou a ser possível e realizadora!
Tudo passou a fazer sentido! Trabalhar, ensinar, cuidar, suportar, corrigir, observar, orientar, pedir perdão e perdoar, calar, rezar… tudo com uma meta clara e com a presença do Senhor.
Contemplar o matrimônio é o primeiro passo para o resgate de tantos relacionamentos que andam cansados e frágeis. Aliás, como toda joia, há o contraste entre a beleza e a fragilidade, o que parece ser uma lei universal imposta por Deus para que aprendamos a cuidar melhor daquilo que tem mais valor. Com o amor familiar também é assim!
E para cuidar melhor, é necessário entender as fragilidades e apoiar os casais, principalmente no início da vida matrimonial, pois não vivemos no mundo da fantasia. Devemos levar a família para o Céu sem tirar os pés do chão. Bem disse o Papa Francisco que a vida familiar se faz com “uma combinação necessária de alegrias e fadigas, de tensões e repouso, de sofrimentos e libertações, de satisfações e buscas, de aborrecimentos e prazeres (AL 126).
Acontece que, em nosso tempo, as fadigas, tensões, sofrimentos e aborrecimentos falam mais alto. Este maravilhoso diamante do amor familiar já não é tão reluzente. Acreditar que seja uma utopia viver o amor familiar é uma tentação que ronda a todos nós! Quem de nós nunca ouviu um comentário pessimista ou uma piada sobre o casamento até mesmo em uma reunião paroquial?
Já que estamos falando em piada, permita-nos deixar uma sugestão ao Santo Padre para um pequeno ajuste no consentimento matrimonial: “Eu te recebo e te prometo ser fiel, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-te e respeitando-te todos os dias de minha vida e até mesmo durante uma pandemia!”
É uma brincadeira, mas que fala de uma realidade que se constata através do crescimento do número de divórcios durante o tempo de quarentena. A pandemia expôs uma grande fragilidade dos relacionamentos, que é dificuldade de convivência para muitos, o que também aponta deficiências nas convicções sobre a vida familiar. Faltou diálogo? Perdão? Paciência? Humildade? Atitude de serviço?
Muitas outras fragilidades poderiam ser citadas em uma lista quase interminável como turbulências de relacionamento, falta de diálogo, consumismo, hedonismo, pornografia, adultério, o desafio do perdão, infertilidade, toxicodependência, avanço da homossexualidade no seio familiar, divórcio, abandono e muitas outras.
Acredito que todos aqui concordamos que o cuidado com as fragilidades nos mais diversos âmbitos da vida e apoiado pelas mais diversas ciências são necessários e devem ser aprofundados, o que vem se desenvolvendo nas últimas décadas e trazendo respostas e qualidade de vida a muitos casais. Um exemplo são os frutos positivos que nos trazem a psicologia com os estudos sobre temperamentos e sua aplicação ao convívio conjugal, bem como à educação dos filhos.
Mas temos que tomar muito cuidado para que não façamos do matrimônio um convívio técnico e, como pastoral familiar, não vivamos em função de uma “fábrica de cursos que a poucos assistem” (AL230). Precisamos dizer, a partir de nossa vivência de mais de 20 anos acompanhando casais, que as ciências podem se tornar meras ferramentas comportamentais quando empregadas fora do âmbito da graça. O Papa São Paulo VI apontava que fora de uma visão integral do homem e de sua vocação também sobrenatural e eterna, as técnicas são vistas parciais (Cf. HV07). “Deus é família”, logo a família deve ser imagem de Deus e não o resultado de estruturas e técnicas.
Acreditamos que há duas grandes fragilidades que devem ser o ponto de partida. A primeira, a fragilidade das fragilidades é um casal iniciar a vida matrimonial sem comtemplar as quatro faces que citamos. Sem seu aspecto sobrenatural e resumido a técnicas de convivência, o Matrimônio torna-se frágil, muito frágil. E se for assim, em nada se diferencia das uniões de outras religiões ou mesmo pagãs. Tratar as muitas e possíveis fragilidades sem localizá-las no contexto da vocação à santidade é, como dizemos no Brasil, “enxugar gelo” ou, como Jesus já nos alertou, é “construir a casa sobre a areia” (Cf Mt 7,26).
Nestes anos de nossa vida pastoral, algo fica nítido quando olhamos os casais ao nosso redor. Para aqueles que vivem uma caminhada de maior espiritualidade, as turbulências são tempo de provação e de busca de ajuda. Vivem “a força da graça … que lhes permite enfrentar os desafios do matrimónio e da família” (AL35) e experimentam o “amor que apesar de tudo não desiste” (AL119). Eles intensificam a oração e buscam as técnicas de diálogo, de educação dos filhos, a medicina e tantas outras. A aproximação dos variados serviços de apoio da pastoral familiar se torna facilitada e eficiente.
De outo lado, para os que vivem certa superficialidade ou desconhecimento, sem um mergulho na graça e na doutrina, as turbulências podem se tornar uma barreira intransponível. Sem a contemplação destas quatro faces do diamante amor familiar, perdem a motivação até mesmo para receberem ajuda especializada. Afinal, qual o sentido de tanto esforço? A ação pastoral se torna cada vez mais distante para estes casais.
A segunda fragilidade que precisamos comentar, ainda que brevemente, é o ritmo da vida familiar. O amor familiar corre perigo quando a família é atropelada por um ritmo frenético que não permite o convívio. O simples ato de comer juntos à mesa e partilhar os fatos do dia se transformou em evento raro. Em certa medida, o entendimento de felicidade como fruto de bens, carreira e status impulsiona o cotidiano a uma velocidade que atropela a família. Isso fragiliza as relações familiares. Soma-se a isso o feminismo que desfigurou a mulher, a tirou de casa para ser mais uma engrenagem do sistema produtivo e financeiro, gerando problemas como o sentimento de orfandade que o Papa Francisco apontou na Amoris Laetitia (AL173).
Aos casais recomendamos que, se possível for, reavaliem suas rotinas familiares! Ainda que nos tenha gerado um desafio para saldar as contas do mês, não nos arrependemos por organizar a vida familiar dentro da hierarquia de valores onde o trabalho está à serviço da família – e não o inverso. Como pai, provedor e guia, busco trabalhos que me permitam estar mais presente.
Como mãe, estou ciente que minha “missão excelente é a maternidade (Dap 456). Nenhum sucesso profissional cobre o valor de me dedicar integralmente ao jardim que Deus me concedeu, principalmente na infância e adolescência, que é seu tempo de maior fertilidade para o desenvolvimento do caráter, das virtudes e da base religiosa. assim como Maria esteve do lado de Jesus.
É preciso cuidar também do tempo para o relacionamento do casal. Um jantar a dois, caminhada, cinema… Isto faz muito bem e é possível até mesmo em uma família simples e com sete filhos! Durante nossos 23 anos de matrimônio, cuidamos de criar momentos assim e sempre celebrar até mesmo as pequenas conquistas do cotidiano. O amor também é criativo.
É necessário rever hábitos e projetos familiares, é necessário ser família muito além de apenas morar sob o mesmo teto. Viver às pressas, como quem corre para desarmar uma bomba relógio é, para nós, uma grande ameaça à viabilidade do amor familiar.
Esta é nossa singela contribuição. Esperamos que a reflexão possa despertar em vós o maravilhamento com o amor familiar bem como a atenção para os cuidados com estas fragilidades que estão na base da vida matrimonial.
Especialmente aos casados, pedimos que não se cansem de repetir e de testemunhar que o amor familiar é maravilhoso, é possível e é caminho de santidade!
Beatos esposos Luigi e Maria Beltrame Quattrocchi, rogai por nós!
André Parreira e Karina Parreira, Cidade do Vaticano, 23 de Junho de 2022.
Siglas:
AL: Exortação Apostólica Pós Sinodal Amoris Laetitia, Papa Francisco, 2016
Cat: Catecismo da Igreja Católica, 1993
Dap: Documento de Aparecida – Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Aparecida, SP, Brasil, 2007.
HV: Carta Encíclica Humanae Vitae, Papa Paulo VI, 1968