Se hoje eu lhe perguntasse o que é a felicidade? Qual resposta obteria de sua precatada consciência?
Numa conjuntura retórica, talvez, você, prontamente, debruçaria a relacionar as inúmeras concordâncias evangélicas e poderia até mesmo multiplicar os versículos, fascículos ou perícopes das letras sagradas para desempenhar os moldes da fé em sua ligeira arguição! Mas, e se essa pergunta nos acompanhasse na azáfama de nossa rotina diária, ou ainda, no nosso grupo de amigos? E se saíssemos por aí defenestrados pela nossa pressa em repousar nossos ouvidos na verborragia soez da cultura inútil, e nesse passo compassado, encontrássemos por pessoas a esmo, no caminho, e perguntássemos a elas: qual é o verdadeiro sentido da felicidade? Quais respostas receberíamos?
Não é difícil imaginar as respostas que encontraríamos. Pela nossa reles indagação primária, do que é a felicidade, as respostas não nos surpreenderiam. No próprio Evangelho nós encontramos um portfólio vasto desta amostragem humana sobre a felicidade. Por exemplo na passagem do jovem rico que encontra Jesus e o questiona sobre a vida eterna! Jesus o responde: “Se você quer ser feliz, vá, venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro nos céus. Depois, venha e siga-me” (cf. Mt 19,16). Aquele jovem voltou para casa triste, porque era muito rico. Sua felicidade estava na falsa ilusão do mealheiro vil que azinhavra com o tempo. Pobre homem! Não descobriu o preço da verdadeira felicidade! Diante disso nos questionamos: quantos de nós hoje também daríamos a mesma reposta? As vozes da turba em alacridade vociferam que a felicidade está no dinheiro! Por isso, o dinheiro é buscado a todo custo, e, às vezes, o preço do dinheiro é a própria perda da felicidade.
Noutro episódio do Evangelho vemos a busca pelo prazer: Herodes para agradar sua concubina entrega-lhe num prato, por sua filha Salomé, a cabeça de João Batista (cf. Mt 14,8-12). Por causa de sua vida fútil, Herodes arranca a vida do Profeta João Batista. Vã felicidade! Meditamos a partir disso que não é diferente hoje. Entregamos num prato sujo de escárnio, nossa vida e nossa dignidade a troco de experiências supérfluas e da quinquilharia da luxúria. Quem dera que houvesse Igrejas tão cheias quanto os bares e as festas estrepitas que acumulam a juventude espreitada na multidão opaca do alarido inócuo. Pobres almas! Elas nunca encontrarão a felicidade na balbúrdia das noites escuras.
Permitam-me ainda recobrar as páginas das Sagradas Letras que nos remetem ao julgamento de Jesus diante de Pôncio Pilatos, quando este, na ocasião, afirmou ao Senhor Jesus: “Não sabes tu que tenho poder para te crucificar e tenho poder para te soltar?” (cf. Jo 19,10). Para muitos a felicidade está no poder, sobretudo, no poder que despreza a vida alheia e embaraça os passos dos humildes e pequenos. Esse poder é buscado a todo custo por aqueles que pensam que nele está guardada a verdadeira felicidade. Quanta ilusão!!! O poder passa, a soberba é destronada e a vaidade achincalhada pelo desprezo do próximo soberano. A corrida pelo poder atravessou os séculos e alcançou alguns de nossos políticos. Às portas de mais um pleito eleitoral, nos perguntamos: quem realmente quer o nosso bem? Ou quem deseja apenas a sua felicidade medíocre comprada à custo de nossas escolhas? Permitam-me um oximoro: pobre riqueza… se dissolverá com o susto da morte.
Pois bem, onde estará a verdadeira felicidade?
São Francisco de Assis a encontrou! Ele mesmo, em tempos pretéritos, também buscou a felicidade na vida burguesa que levava, na conquista dos prazeres, do poder e do dinheiro. E só aquietou-se quando descobriu que a verdadeira felicidade não estava no que ele acumulava às apalpadelas de uma vida insana, mas, no despir-se destas pobres felicidades para vestir-se inteiramente do Cristo, onde está a mais pura e concreta felicidade. Ele descobriu que a felicidade, ou seja, a Bem-Aventurança plena, estava em abandonar-se inteiramente nos braços de Deus. Foi olhando para a cruz de São Damião que São Francisco foi fisgado pelo amor inconfundível de Deus! E, a partir daquele momento, ele não mais buscava as venturas da vida no dinheiro, no prazer e no poder, mas, na humana miséria, repartindo seu coração com os mais pobres e famintos dos guetos de Assis.
Podemos exclamar, irmãos, que São Francisco foi, realmente, o homem das Bem-Aventuranças, porque ele descobriu que o preço da verdadeira felicidade é o amor e a doação a Deus e à Igreja, na imagem dos irmãos!
Portanto, a proposta é palmilhar essa estrada do amor eterno, como um dia fez o Santo de Assis! E nesse caminho, o passo certeiro do equilíbrio da vida está no amor misericordioso. No Evangelho de Mateus, Jesus ensina claro e sonoro para nós: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (cf. Mt 5,7). Francisco de Assis entendeu que este ensinamento de Jesus não era uma simples retórica eloquente de um livro barato na estante empoeirada do saber! Ele compreendeu que o mistério da felicidade e do amor passam pela misericórdia! Não há como encontrar o Cristo glorioso sem antes o encontrarmos ataviado com sua cruz! Essa cruz é o sinal da misericórdia elevada ao cume da eterna potência do amor!
É certo que são Francisco viveu as bem-aventuranças, sobretudo compartilhando seu coração com a miséria alheia! Mas, e nós? Temos feito o mesmo percurso que fez o Santo de Assis? Já teremos nós encontrado a perfeita alegria no discurso e na prática da misericórdia? Digo com espirito de contrição: essa pergunta, mesmo sendo retórica, me causa medo! Pois, às vezes, me vejo tão longe da cruz de Cristo; do irmão que de mim necessita; da vida proveitosa para o amor e a doação… Vivemos numa sociedade à beira de um cataclisma: guerras intermináveis nas gigantescas potências internacionais, mas, também, nos porões de nossas casas e na intimidade de nosso lar! São guerras intermináveis, por causa dos mesmos vícios de sempre: a busca pela falsa felicidade!
É preciso recorrer à intercessão de São Francisco e buscar nele um norte para que todos nós nos empenhemos a viver fidedignamente os passos de Jesus.
Trago o pensamento de São Cromácio de Aquiléia, do séc. V, que afirmava que as Bem-Aventuranças ensinadas por Jesus e registradas no Evangelho de Mateus, são degraus para o céu! Cada degrau acendido nos afasta do mundo e nos aproxima de Deus! Cada degrau vivido com fé é como uma pérola de maior valor que os outros valores. Por tanto, dizia São Cromácio, ofereçamos a misericórdia, para, um dia, recebermos do Senhor a verdadeira e plena misericórdia de suas mãos! O que plantarmos aqui, colheremos no céu!
No testamento de São Francisco, fez-se ler: “O Senhor concedeu a mim, Frei Francisco, começar a fazer penitência: como eu estivesse em pecados, parecia-me sobremaneira amargo ver leprosos. E o próprio Senhor me conduziu entre eles, e fiz misericórdia com eles. E afastando-me deles, aquilo que me parecia amargo se me converteu em doçura da alma e do corpo; e, depois, demorei só um pouco e saí do mundo”.
“Bem-Aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia”!







