Servir por amor ao reino: uma reflexão pastoral

A perícope do Evangelho de Mateus 20, 20-28 coloca em destaque a figura de dois Apóstolos de Jesus: Tiago e João. Além de ambos, vê-se a presença da mãe, que protagoniza uma cena inusitada: ela, como uma boa mãe que quer o melhor para seus filhos, faz um pedido a Jesus: “Dize que estes meus dois filhos se assentem um à tua direita e o outro à tua esquerda, no teu Reino” (v. 22). Ora, sabemos que quem se senta à direita e à esquerda são as pessoas mais importantes depois da autoridade máxima do local. Então é um pedido ousado daquela mãe que, no fundo, confirma uma intenção presente no coração de seus rebentos. É a porta-voz, afinal, não falaria aquilo que já não tivesse chegado a um consenso com os filhos.

Talvez, à primeira vista, podemos julgar mal esses personagens da história sagrada, pensando sê-los pretensiosos, desejosos de ser superiores aos outros ou de menosprezar àqueles que faziam o mesmo caminho. Porém, não os julguemos com precipitação. Antes, busquemos olhá-los sob uma ótica mais profunda e humana, identificando neles traços que estão presentes em nossos caminhos. Essa passagem pode ser, certamente, um espelho para a nossa vivência cristã e o nosso agir pastoral em tantos sentidos. E, por isso, vamos tentar identificar três pontos para a nossa reflexão:

1. Tiago e João: vocacionados ao serviço ao Reino.

Primeiramente, quem foram Tiago e João? Antes de qualquer coisa, podemos afirmar: eram vocacionados de Jesus! Ser vocacionado é ser receptor de um chamado. Um dia, estando ao longo do mar da Galileia, Jesus os viu e os chamou: “Segue-me!” (cf. Mt 4, 21s). E eles deixaram tudo e se tornam bons discípulos, amigos próximos do Cristo, gente de intimidade. Foram idealistas, ousados, acreditaram em Jesus, manifestaram-lhe amor e confiança em sua palavra e convite provocadores.

É bom pensar isso para lembramos que Jesus continua, ainda hoje, essa mesma dinâmica de chamar homens e mulheres para o seu seguimento e serviço. É a visão de fé que devemos ter sobre qualquer serviço pastoral ou missão vivenciadas na Igreja: se somos servidores do Evangelho, agentes de pastoral, catequistas ou qualquer outra coisa, agimos e pastoreamos em nome de Cristo, trabalhamos em função de um chamado que um dia o Senhor fez. Feliz daquele que conserva no coração essa verdade e que faz memória dos meios pelos quais o Senhor se utilizou para concretizar esse convite!

Em companhia dessa consciência vocacional, vem uma objeção: mas porque Deus chama um e não o outro? Quais os critérios que usa para suas escolhas? A dinâmica bíblica do chamado é sempre essa: Deus chama – o vocacionado faz uma objeção – Deus confirma a sua escolha. Foi assim com Moisés (cf. Ex 3, 7-11), com Jeremias (cf Jr 1, 4-10), com Maria (cf. Lc 1, 26-38) e tantos outros. Para Santo Agostinho, “estamos diante do mistério das escolhas de Deus!”. O Senhor tem autonomia para chamar os que quer (cf, Mt 3, 13ss) e suas escolhas, na maioria das vezes, estão situadas fora dos critérios humanos e beiram o imprevisível: o menor de preferência ao maior, o fraco e não o forte, o pobre em lugar do rico. Portanto, a escolha de Deus é graça, gratuidade, que espera de nós unicamente a acolhida e a resposta. Lembremo-nos do Papa Bento XVI que assim se expressou no dia de sua eleição ao pontificado: “Consola-me saber que o Senhor sabe trabalhar e agir também com instrumentos insuficientes” .

2. A presença de uma mentalidade contaminada por princípios que não são os de Jesus.

Tiago e João, certamente, foram também fizeram parte dessa dinâmica vocacional. Mas mesmo estando ali, próximos ao Senhor, se deixaram perder por um coração distante. Ou em outras palavras, eles se deixaram contaminar, aos poucos, lentamente, por uma mentalidade que ofusca esse ideal que Jesus semeou no interior. Há uma distância do coração. Tanto que eles pedem a Jesus, por meio da mãe porta-voz, que possam se sentar à direita e à esquerda de seu Reino.

Se pudéssemos fazer um Raio-x sobre esse pedido, encontraríamos muitas coisas que, se analisarmos bem, podem também estar crescendo em nós, como semente de joio, e foram apontadas pelo Papa Francisco na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium parágrafos 76 a 109, intitulado “As tentações dos agentes de pastoral”:

1º Vê-se o desejo de grandeza, de ocupar os melhores lugares. É o veneno do carreirismo, de quem vê a sua atividade na Igreja não como um serviço em favor dos outros, mas como uma via de promoção, de se ter boa fama, de ser a referência. É claro que aquilo que fazemos para Deus deve brilhar como testemunho no meio dos homens (cf. Mt 05, 06). O risco está quando o centro passa a ser nossa pessoa, e não o Cristo. Como consequência, não damos espaço também para que os outros cresçam, assemelhando-nos a uma árvore frondosa que não deixa nada crescer ao seu redor.

2º Aquele que pede ou almeja tal posição no mínimo se considera melhor, mais apto que os outros para ter esse direito. Vê-se o perigo do menosprezo, da vaidade. Aquele que serve por amor ao Reino valoriza, ao invés de rebaixar. Sabe incentivar o dom do outro sem querer abafá-lo, porque tem a consciência de que também é possuidor de inúmeros dons oriundos do Espírito (cf. 1 Cor 11). Temos que reconhecer a Igreja, em seus variados ministérios, como um canteiro de dons e, assim, incentivar mutualmente a vivê-los com intensidade em prol da edificação da Igreja.

3º Quando esse tipo de mentalidade vai ganhando espaço, a divisão vem acampar em nosso meio e sabemos que nada no mundo se sustenta se estiver dividido (cf. Mt 12, 25). A passagem afirma que assim que os outros Apóstolos ouviram o pedido que fizeram a Jesus, houve indignação. Essa é a consequência quando se busca estar acima dos outros de modo arbitrário: enfraquecimento das forças vivas da comunidade, divisões e rixas. O Espírito Santo gera a unidade dos corações, uma harmonia mesmo em meio à diversidade, e não o contrário, que é obra do Diabo, ou seja, aquele que divide (cf. Audiência Geral do Papa Francisco, dia 02 de maio de 2018).

3. A paciência de Jesus que mostra a lição do serviço como remédio.

E diante de todo esse diagnóstico ruim, consola-nos a paciência de Jesus que procura corrigir essa mentalidade dos discípulos: “Entre vós não deveis ser assim! Quem quiser ser o maior, seja aquele que vos serve…”. Servir com boa vontade, com entusiasmo, com alegria, com criatividade, com gratuidade, dando o melhor às coisas de Deus. Assim exorta o Santo Padre: “O valor de uma pessoa não depende mais do papel que ela desempenha, do sucesso que tem, do trabalho que faz, do dinheiro no banco; não, não, não, não depende disso; a grandeza e o sucesso, aos olhos de Deus, têm um padrão, uma medida diferente: são medidos no serviço. Não no que se tem, mas no que se dá. Quer se sobressair? Sirva. Este é o caminho” (Papa Francisco, Ângelus do dia 17 de setembro de 2017).

Concluamos com um olhar sobre a imagem que ilustra este artigo, de autoria de Sieger Könder e que descreve o lava pés. Na bacia, vê-se refletida a face de Jesus misturada à água suja que lava os pés de Pedro. Isso para mostrar-nos que quem procura a face de Jesus deve colocar-se a serviço dos outros, como o próprio Cristo fez abaixando-se à nossa condição para erguer-nos em seu amor. É no gesto de servir que se desvela para nós a face do Salvador. Alimentados pela Eucaristia, aquele que se coloca a lavar os pés cuida daquilo que coloca o outro a caminho, como o Cristo fez conosco. Como o nosso serviço pode ajudar com que o outro se coloque novamente na estrada de Jesus?

Que possamos servir sempre por amor ao Reino e deixar com que Deus faça em nós, pela oração e pela Eucaristia, uma transformação sempre mais profunda do coração, unindo-nos Àquele que veio para amar e servir.